Olá amigos, o Português é uma língua complexa, mas não é considerada a mais difícil do mundo. Tenha certeza que grego, mandarim ou turco são idiomas bem mais intrincados para o aprendizado. No entanto, a todo momento, quando menos se espera, estamos tropeçando nas palavras e, não raro, surge uma dúvida “cruel”, aquela do falar diário que insiste em nos acompanhar e para a qual nunca temos uma resposta pronta e precisa.
Para elucidar estas questões, estamos inaugurando a coluna semanal PONTO & VÍRGULA aqui no site RUL, com o intuito de dar explicações às dúvidas que insistem em se manifestar a qualquer instante. Esperamos que grande parte das abordagens seja providenciada a partir de perguntas dos internautas; outras serão selecionadas porque são, conhecidamente, “pegadinhas” consagradas.
Também vamos trazer à discussão curiosidades da língua como a origem de algumas expressões corriqueiras (“casa da mãe Joana”, “a vaca foi para o brejo”, “tirar o cavalo da chuva” etc) ou os insistentes estrangeirismos, que não param de invadir nossos diálogos no dia a dia. Tudo isto, sem falar das gírias, assunto desta nossa primeira edição aqui no RUL. Sugestões, críticas e outras contribuições devem ser enviadas para o e-mail colunapontoevirgula@gmail.com.
No penúltimo domingo a repórter Kika Martinez mostrou no Programa do Faustão, para todo o Brasil, como funciona uma cidade habitada por anões na China. Ela apresentou imagens de sua viagem-aventura e, em dado momento, mencionou uma expressão que, com certeza, não estava no script. A jornalista contou que os habitantes exóticos do local riram porque ela “tinha pagado um cofrinho”, momento não percebido pelo apresentador, mas flagrado por este colunista, que decidiu decifrar a expressão, desconhecida para muita gente. A repórter quis dizer que ao se abaixar, deixou à mostra o início das nádegas devido à sua calça que obedece à moda atual e tem cintura baixa.
Esta expressão, na verdade, remete a outra análise. Por que o verbo “pagar” está presente em várias expressões e tem tanta aceitação em nosso idioma? Além de “pagar o cofrinho”, também “pagamos o pato”, “pagamos o mico” e ainda “pagamos pau”. Os significados das três últimas expressões são distintamente estes:
1) “Pagar o pato” é assumir a responsabilidade, arcar com as conseqüências de ações e atitudes de outras pessoas. A expressão teria surgido numa brincadeira antiga, na qual um pato era amarrado a um poste. Os participantes deviam correr até lá e cortar as amarras que prendiam o animal de um só golpe. Quem não conseguisse deveria pagar em dinheiro pela ave.
2) Já a forma “pagar um mico” é usada quando surge uma situação embaraçosa e ajuda a explicar a situação daquele que deu algum vexame público. Ela vem do baralho infantil “Jogo do Mico”, fabricado no Brasil desde a década de 1950 e no qual as cartas têm figuras de animais. O jogador tem a missão de formar pares com o macho e a fêmea de cada espécie, mas, no baralho, o mico não tem par e quem termina com a carta na mão perde o jogo e ainda “paga o mico”.
3) Por fim, “pagar pau” vale para quando vemos alguém muito atraente, bom em algum ofício, e decidimos adular esta pessoa e ainda ficar de “queixo caído”, contemplando tal beleza ou habilidade. A conhecida dupla sertaneja Fernando & Sorocaba tem em seu repertório um sucesso com o título “Paga Pau”, cuja primeira e estrofe ficou assim:
“Você diz que não me ama, você diz que não me quer,
Mas fica pagando pau (me adulando). Qual é que é!
Todo dia seu teatro é exatamente igual.
Você finge que me odeia, mas no fundo paga pau (me admira)”
Em sua forma literal o verbo pagar é transitivo direto e indireto. Ao usá-lo corretamente precisamos lembrar que nunca pagamos alguém, mas sim a alguém e, por isso, ele deve empregado desta maneira: “Paguei aquela prestação (objeto direto) ao dentista (objeto indireto)”. Mas como nossa língua é muito rica, o verbo “pagar” agora integra mais uma gíria, a “pagar um cofrinho”, que resolveu o problema de linguagem da repórter Kika. Será que não havia outra forma mais elegante ou correta de dizer a mesma coisa? Bom, as gírias são assim mesmo e servem para simplificar a nossa fala. Mas, este é um assunto para uma outra coluna.
Até a próxima, amigos.
Por Marcos Lock
(*) Jornalista
profissional e
graduando do curso de
Licenciatura em Língua
Portuguesa e suas
Literaturas, da
Universidade Aberta do
Brasil/UNIR.